sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

herdeira

herdeira

o tempo
abandona o que
perfura
transpassa todos
lados

mitos convertidos
desmentidos
na comunhão das eras

destroços agora
são heranças
de mim.



Arte: Alice Welling
er

sábado, 14 de janeiro de 2017

perfeição

perfeição

a navalha não cansa
múltiplas imagens refletidas
descaminhos
esquinas
mistérios não domados

a arma branca não se 
submete
não se extermina
é disfarce
forma monopolista sem
representação 

o aço intimida fixo
com a delicadeza gélida 

disfarce bárbaro limpo
como ceder-te em gêneros 
uma experiência
uma designação?

Hilda Helena Dias

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

há de vir

Há de vir

virá o todo-poderoso
sombra corrosiva
respirando meu miolo
na torcida pétala
de carne

o que há dentro
será arrancado pelos
dentes do tigre
com lâminas o obscuro será
desenhado em sangue rosado
filtrado da veia explosiva

ao vento
longe da masmorra
me verei toda nua
em  círculos intensos
aspirando e vomitando
amores além da medida.

Hilda Helena Dias

indiferente à sorte

Indiferente à sorte

sou poeira vazia
que não cabe dentro de mim
a alma vazia reside no pó
sonho resíduos dos sonhos
do outro

com arame farpado
nas costas
a teia das sombras
não me guarda

sangro meus passos
cega de tanto olhar para mim
afogada no cansaço
da infinita procura

durmo humana
no desenho do nada
mato minha sede
sem saber quem sou

o meu nome será gritado
na ausência do corpo que
me sustenta

devorada sem dentes
contra a vontade
na fúria desordenada
deixarei de ser humana

na luz sem juízo da vida
a razão  pulsa
diante de ser barro

desapareço na loucura da
noite negra
dona de um prazer breve
canto
a alma na moldura é
indiferente

no contrastes das luzes
o sangue é lambido
o mundo que sei
é o que tenho

conhecer-me no depois
é promessa magra
sentida na delícia do nu

na fome do todo eu
seduzida pelo finito gasto
me retalho
gasto-me no nada
o nada fica pesado com os
pensamentos comidos.

feita de carne
sangro
deixo-me amar

Hilda Helena Dias

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

corpos revelados

corpos revelados

com fome nos comerão  
somos vício escuro da Terra
clareando o nada

no desejo da eternidade
diante do nada
brinco com o medo no exílio
de  encontros de perguntas

esquecendo da prisão
dos ossos possuídos
em neblina me canto
antes de ser pó

flutuo sobre a Grande Face
o amor juntando vazios
revela corpos raros .

Hilda Helena Dias
Arte: Ludovic Florent

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

crepúsculo do louco


crepúsculo do louco

num tempo de entardecer
ouvi o som indecifrável
de um louco

falava da língua molhada
da Terra
moldando sua carne a
minha
e jurava ser eu o Paraíso

ao seu toque inatingível
gritei sustentando
a própria vida

raízes de ninguém
saiam dele
na eternidade das luas
eram minhas

na volúpia dos corpos
celebrei o outro
entendendo ser eu .

Hilda Helena Dias


domingo, 8 de janeiro de 2017

silêncio

silêncio

o coração mudo
da alvaroda
carrega moluscos úmidos
do arco-íris

jatobás transbordam
os cântaros sem som

na sinfonia de segredos
o silêncio tecido em
casulos
atravessa a luz.

 Hilda Helena Dias

sábado, 7 de janeiro de 2017

reverência

reverência

desafio o limite
das emoções
secas e profundas

em silêncio
movem-se
de dentro

em minhas águas
lanço âncoras
comunico comigo
ideias selvagens
sem sentidos
falam de mim

o sangue
escava o não dito
o corpo clama
a existência nua.

Hilda Helena Dias

Urs Ficher

morte encarnada

morte encarnada

a carne que apodrece
deseja amor
sem o fim

com a fome de um
inquietante cardume
alimento-me de vidas
que não terei depois

deitado no breu
velo o coração
de Deus
o corpo de sonhos
deseja a morte da noite
encarnar a manhã

obsessão
lavar-me  na manhã
das águas não bebidas

Hilda Helena Dias

Arte: Thomas Eakins

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

grande coisa encoberta

grande coisa encoberta

mortos desenterrados
acordaram  belos
torcidos  das flores
depositadas nas covas

sem nada dentro
mortos ressuscitados
com carne limpa
nus se alegravam

o tempo
construído em casas
de pedras
passava sem vestígios

carnes  ao vento
no sol
queriam  sombra.

Hilda Helena Dias

Arte: William Blake

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

podada

podada

aparecerão anjos
depois da morte?
algum deles pronunciará
meu nome?
alguém me carregará
morta em seus braços?
carregará meu amor?

carregar-me-ão por
vaidade
me perderei
sem dizer meu nome
sem ter meus olhos

a vida se fechará para mim
meu dedo
não suportará o anel
o ouro será recolhido
pelo coveiro em outra
estação

ganho vida perdendo-me
na cena
depois de muitas podas
a vida me joga fora.

Hilda Helena Dias

Arte:William Blake

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

funeral de mim

funeral de mim

a  vida limpa
me olha
o corpo sem ser visto
leva a transparência

dando golpes na
memória
sem nada sentir
caminho pro vazio

no abismo
securas consumadas
dobro-me à terra
enraizando um
corpo de carne e
sombra.

Hilda Helena Dias

Arte: William Blake

(m/s)eu sangue

(m/s)eu sangue

mesclados de
céu e terra
corpos nas sombras
das luas ausentes
opostos ao vento
sonham  inocência

o sangue
no golpe da pedras
fala verdades mortas e
secretas

a solidão profunda
do amor
na carne punida
se faz

o ódio divino
atinge sonhos
deita  sobre o
tempo que virá.

Hilda Helena Dias

armadilha

armadilha

trança
sem encanto
arma  ataque

armadilha viva
respira cilada
sem expressão
se esforça e
sentencia

a teia prostibula
vive prenha
entre a esquerda e a
direita a
soberana emboscada.

Hilda Helena Dias

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

esfera celeste

esfera celeste

estrela maior
escapa a consciência

bola de fogo de
íntimo negro
cingido de luz.

Hilda Helena Dias 🌞
🌡🕸

sepultura

sepultura

falta um
remanescente
a sombra
imergir

a reminiscência
sem exatidão

falta um
nascer
vazio
quem sabe
saga

sem Pátria
no memorial
o nada.

Hilda Helena Dias

Foto: Arô Ribeiro

acabamento

acabamento

nada sei da minha
totalidade
ainda no ventre
antes do amor
existir
caminho pra sepultura

o buraco
que engole
meu caminho
me faz rir

em guerra com
a vida
o mistério
deito com
verdades e
vazios

pés
corpo
me seguram viva
enquanto devo ir
a alma é louca
desperdício de
emoções desmedidas

um som de
treva invadirá
a luz
sozinha escurecerei

perco-me na Terra
sendo luz
na cegueira silenciosa
sinto meu passo
inteligível

morta serei inteira
acabada
fiel ao que fui pensada.

Hilda Helena Dias

Fotografia: Arô Ribeiro